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Pedro Beja, biólogo

As Efémeras Lagoas do Sudoeste

Por ANA FERNANDES
Sábado, 10 de Junho de 2000 - in Público.pt

À primeira vista, nada de extraordinário se passa. A paisagem desenrola-se sem sobressaltos de maior, pejada de pequenas ervas e flores, às vezes uns arbustos, aqui e ali uma árvore. Ao longe, adivinham-se as serras. Estamos numa simples planície do litoral alentejano? Nada é assim tão imediato nesta costa. Olhando com mais atenção, começam a surgir leves depressões no terreno, uma mais pequenas, outras enormes. São as lagoas temporárias do Sudoeste, onde a vida se recolhe no tempo seco para eclodir na altura das águas.

Nas margens destas depressões, escondem-se uns minúsculos ovos que ali repousam um, dois, três anos, o tempo que for preciso até que a chuva seja abundante o suficiente para encher a lagoa de água. Quando os seres que neles se encerrem vêem pela primeira vez a luz do dia, o planeta volta a ficar mais rico, com uma riqueza que existe desde o tempo dos dinossauros. Os camarões-girinos ("Triops cancriformis"), uns pequenos seres velhos como o mundo, deixam os seus ovos nos sedimentos, onde permanecem durante os períodos em que as lagoas ficam secas. Quando o charco volta a encher-se, rapidamente povoam as águas. "Só vivem nestas lagoas porque não há competição", explica Pedro Beja, biólogo da Universidade do Algarve e que já trabalhou como técnico no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Foi nessa qualidade que começou a descobrir estes ameaçados ecossistemas mediterrânicos, agora protegidos pela Directiva Habitats.

A importância das lagoas foi descoberta recentemente. Só há dez anos é que se começaram a fazer os primeiros inventários. A sua riqueza provém, sobretudo, das plantinhas ali representadas. "As lagoas mantêm uma flora do Norte da Europa que vai descendo ao longo da costa perdendo espécies, que são, por sua vez, substituídas por mediterrânicas", explica o biólogo.

Estas lagoas "localizam-se na chamada planície litoral ocidental a qual constitui uma unidade geomorfológica que se estende entre o rio Sado e Sagres, com cinco a 15 quilómetros de largura, limitada a nascente por uma linha de relevos constituída pelas serras de Grândola, Cercal, Brejeiras, Monchique e Espinhaço de Cão", adianta Pedro Beja.

Os solos xistosos estão cobertos por uma camada de areia que serve como esponja. São estas características que lhe dão o carácter efémero mas que, ao mesmo tempo, asseguram a imensa biodiversidade que ali subsiste e que depende, exclusivamente, da existência deste habitat. "As lagoas são todas diferentes em tamanhos e acidez e esta variedade de circunstâncias é que mantem a biodiversidade, por isso todo o conjunto é importante pois funciona como um arquipélago", acrescenta Pedro Beja.

A variabilidade é patente na própria lagoa. No centro, por exemplo, encontram-se os camarões-fada que têm um desenvolvimento mais rápido na altura em que o charco começa a encher-se. Nas margens, estão os camarões-girinos, mais lentos. Para perceber estas diferenças, Pedro Beja e a sua equipa da Universidade do Algarve está a recolher amostras dos sedimentos dos vários pontos da lagoa. "Depois colocamos em água em laboratório para ver quantas larvas eclodem por local de recolha", diz o biólogo.

Em 1996, foi feito o inventário mais completo das lagoas. Os 237 charcos encontrados concentram-se, sobretudo, no concelho de Odemira, ocorrendo um segundo núcleo importante no concelho de Vila do Bispo.

Associados às lagoas estão os urzais húmidos atlânticos - cuja conservação é uma prioridade europeia - pois engloba espécies únicas. Os urzais são hoje muito raros devido às actividade agrícolas.

A agricultura é, aliás, uma das mais importantes ameaças que pesa sobre as lagoas. "Drenagem, terraplanagem, alterações do regime hidrológico, eutrofização, contaminação com pesticidas e fertilizantes ou invasão por espécies exóticas são factores que afectam negativamente a biodiversidade das lagoas temporárias".

O maior drama é o aprofundamento e transformação destes charcos em reservas de água permanentes. Todo o equilíbrio é, assim, modificado pois é a alteração entre os períodos secos - que podem durar anos - e os períodos curtos em que as lagoas se enchem de água que atribui toda a riqueza a estes habitats.

Além disso, a tendência é para encher as lagoas com água dos canais de rega, que estão cheios de espécies exóticas como os lagostins. Estes predadores vão destruir as outras espécies, incluindo o velhinho camarão-girino, um dos últimos espectadores ainda existentes do "Parque Jurássico" que o planeta foi há milhões de anos.

A contaminação com fosfatos e nitratos, provenientes da agricultura e dos esgotos urbanos, provoca a eutrofização destes sistemas, ou seja, o excesso de matéria orgânica potencia o aparecimento de algas e o desaparecimento das outras espécies.

Em contrapartida, o efeito do pastoreio não é totalmente conhecido. Pedro Beja diz que é até provável que seja benéfico. "As lagoas têm um historial de pastoreio que criou microvariabilidade do solo". E, acrescenta, "o pastoreio moderado por gado parece apresentar várias vantagens para as plantas aquáticas: mantém a vegetação aberta, favorece uma melhor distribuição da luz, permite a exportação de uma parte da biomassa vegetal e retarda a sucessão para um ecossistema terrestre". Mas em excesso pode ter efeitos perniciosos. É por isso que, "a formulação de um modelo de pastoreio que promova a conservação da biodiversidade constitui provavelmente um dos aspectos tecnicamente mais complexos da gestão biológica das lagoas temporárias".

Conservar estes ecossistemas não é, por isso, uma questão técnica simples. Além disso, não existem modelos de gestão na Europa completamente definidos, embora existam várias experiências, concretamente no Reino Unidos.

Mas a especificidade portuguesa é grande. É por isso que sem um esforço grande de investigação, as melhores intenções podem redundar em fracassos. Mas também há que proteger. O problema é que a maior parte das lagoas estão em herdades privadas. A aquisição destes terrenos situados em áreas prioritárias para a conservação é prática corrente em vários países da Europa. Pedro Beja defende que, através dos fundos do Programa Life, se arrende ou compre estes locais para os transformar em zonas exemplares de compatibilização das actividades económicas - no caso, da agricultura - com a conservação. Além disso, serviriam como locais únicos para acções de educação ambiental.

"Tal como todos exigem que se mantenha e se alargue a infra-estrutura rodoviária do país, há que também defender a infra-estrutura biológica de Portugal", conclui o biólogo.

Ana Fernandes