fechar janela

Marés Vivas

Texto de Nuno Crato
26/08/00 - in Expresso Revista

Com a Lua Nova da semana que entra, teremos marés mais fortes. Mas as marés vivas não chegam só em Setembro?

Quem está na praia observa diariamente a subida e descida das águas. As marés repetem-se com regularidade, mas chegam todos os dias uns 48 minutos mais tarde do que no dia anterior. O que provoca a subida e descida das águas e faz com que haja marés vivas e marés mortas?

Seleuco (365-283 a.C.), dito o Babilónico - um sábio grego que teve a vantagem de viver nas margens do Mar Vermelho, onde as marés são mais amplas -, reparou que o seu período coincidia, embora com certo atraso, com o período da Lua. Tal como o nosso satélite demora cerca de 24 horas e 48 minutos entre duas passagens consecutivas pelo meridiano do lugar, assim o ciclo das marés se repete com um período de 24 horas e 48 minutos. Outros sábios da Antiguidade verificaram a mesma coincidência, pelo que atribuíram à Lua a origem das marés. Plínio o Velho (23-79 d.C.), um dos naturalistas mais importantes da Antiguidade, dizia claramente que "a causa reside no Sol e na Lua" e explicava, correctamente, que as diferenças de amplitude das marés derivam das diferentes posições relativa desses dois astros. Os antigos não podiam explicar a causa dessa influência - pois faltava-lhes o conhecimento da Lei da Atracção Gravitacional -, mas sabiam descrever o comportamento das águas e relacioná-lo com o movimento dos astros.

Já nos séculos XV e XVI, quando o conhecimento das marés atlânticas e do Índico se tornavam essenciais à navegação, o interesse pelo seu estudo redobrou. Nesses oceanos, a oscilação periódica dos níveis do mar ultrapassa facilmente os três e quatro metros, muito mais do que o meio metro que, quanto muito, se regista em alguns pontos do Mediterrâneo. Para a navegação costeira e para as entradas em enseadas e portos, os navegadores precisavam de saber calcular as alturas das águas. Os portugueses e outros exploradores aplicaram e desenvolveram algumas regras práticas, com as quais estimavam os momentos de maré alta e baixa em qualquer ponto do mundo. Duarte Pacheco Pereira (c. 1460-1533), por exemplo, referia que "o conto do curso da Lua", ou seja, o tempo decorrido desde o momento de Lua Nova, "é necessário para, por ele, sabermos o encher ou vazar do mar". Sabendo a "idade da Lua" sabia-se também em que altura do dia as marés se levantariam.

Os europeus cultos da época não só não duvidavam da influência determinante da Lua como tinham a intuição, já expressa por Plínio o Velho, de que haveria alguma atracção celeste a explicar o levantamento das águas. Em 1555, o padre Fernando Oliveira (1507-c. 1585), autor de uma notável "Arte da Guerra no Mar", dizia que "parece o mar que sorve suas águas e as torna a lançar, como um corpo sorve e lança fôlego quando ofega, isto tão a ponto com a Lua, que faz entender que dela depende este seu movimento". E acrescentava, referindo-se ainda às águas, que a Lua "parece que as traz para si". A obra deste original pensador português, várias vezes preso pela Inquisição, lança ainda luz sobre outros aspectos das marés, mostrando um conhecimento muito avançado da sua complexa dinâmica.

Quase 100 anos mais tarde, no entanto, Galileo Galilei (1564-1642) retrocede no estudo das marés, no que constitui certamente o maior equívoco científico da sua extraordinária carreira. Galileo tinha destruído o sistema ptolemaico do Universo, ao mostrar que Júpiter tinha satélites, que Vénus tinha fases, que a Lua tinha montanhas e o Sol manchas. O universo não podia pois ter um centro único; Vénus orbitava em torno do Sol; os corpos celestes eram tão naturais e tão pouco perfeitos como a Terra. Mas faltava ao grande cientista italiano a prova definitiva de que a Terra orbitava o Sol, ideia certamente contrária à intuição e pouco querida pelos teólogos.

Em 1632, ao publicar o "Diálogo sobre os Dois Grandes Sistemas do Mundo", Galileo apresentou o que julgava ser a prova definitiva que lhe faltava: uma nova teoria das marés, que seriam provocadas precisamente pela conjugação dos movimentos de rotação e de translação da Terra. Seriam esses movimentos do nosso planeta que lançariam as águas em fluxo e refluxo, conforme o sentido de rotação de um ponto da superfície do mar coincidisse com o da translação da Terra ou o contrariasse. Galileo apresentou brilhantemente os seus argumentos, mas eles eram pouco convincentes e sabe-se hoje que falsos. Ao contrário dos argumentos baseados na observação telescópica dos astros, que foram confirmados pelos astrónomos jesuítas do Colégio Romano, a explicação das marés enredou Galileo num círculo vicioso difícil de sustentar. A posterior condenação de Galileo pela Inquisição, em 1633, não foi motivada nem pode ser desculpada pelo seu erro, mas é verdade que a sua "prova definitiva" tinha falhado.

No ano em que Galileo morre, nasce um outro génio da ciência: Isaac Newton (1642-1727). O cientista inglês descobriu que é a força da gravitação que mantém a Terra em órbita do Sol e a Lua em órbita da Terra, e percebeu que estes astros se atraem mutuamente. Explicou as marés pela atracção que a Lua e o Sol exercem sobre a superfície terrestre, e que é maior, pela Lei da Gravitação Universal, em pontos da superfície situados mais perto da Lua e do Sol.

A força da Lua é preponderante, dada a sua maior proximidade, mas o Sol também influencia o movimento das águas. Quando os dois astros se encontram alinhados, o que corresponde às fases de Lua Nova ou de Lua Cheia, as forças de maré são maiores: são as ditas "marés vivas". Quando se encontram em quadratura, com a Lua em Quarto Crescente ou Decrescente, as marés são mais fracas e são, por vezes, chamadas "marés mortas". Na terça-feira da semana que entra, a Lua alcançará a fase de Nova. Começam as marés vivas. Ao contrário do que por vezes se diz, elas não esperam por Setembro. Na realidade, surgem aproximadamente de duas em duas semanas, sempre que a Lua e o Sol estão alinhados. Daqui a 15 dias, por altura de Lua Cheia, teremos de novo marés vivas. Voltaremos então a falar de marés.