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Um Festival de "Trash-rock"

Por ANTÓNIO SANTOS CARVALHO
Público, 20 de Agosto de 2000

Lixo é a palavra mais ouvida quando se analisam as consequências do Festival do Sudoeste Alentejano, que este ano reuniu mais de 34 mil pessoas na Zambujeira do Mar. Duas semanas depois, ainda há muito por limpar. Mas os efeitos do festival vão além do impacto na fauna e flora e atingem também o turismo e as populações. As entidades envolvidas entram num "jogo do empurra" e ninguém se arrisca a propor medidas para alterar uma situação que dura há já quatro anos.

Duas semanas depois de terminado o Festival do Sudoeste ainda são visíveis as suas consequências nas imediações da Zambujeira do Mar: vegetação arrasada e lixo por todo o lado, em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), que é área protegida. Os "nascidos e criados" nas freguesias da Zambujeira do Mar e de São Teotónio ainda não se habituaram à ideia de terem que receber todos os anos, em Agosto, o "Sudoeste". Dizem que o festival "acampou durante o mês em que os turistas vinham em força". E sublinham: "Vinham."

Em 1998, na segunda edição, 27 mil pessoas invadiram uma vila sem as condições mínimas para as receber. Mais do dobro em relação ao ano anterior. Este ano foram mais de 34 mil.

Um dos grandes queixosos é o proprietário do parque de campismo, Acúrcio Leal. "Entram no parque indivíduos que emprestam o cartão de entrada a cinco ou seis amigos e depois é uma confusão. Bebem, fumam uns charros, tocam tambores, gritam a noite toda. Este ano, chegaram a escrever nas paredes das casas de banho com as próprias fezes." f+b

" Vão obrigar-me a fechar o parque", diz o dono do parque. "Prefiro vendê-lo a ter que voltar a viver esta situação para o ano. Garanto."

Muitos perguntam-se como é possível o Parque Natural permitir tal situação. É o caso de Alberto Costa, membro da Assembleia de Freguesia da Zambujeira e um dos subscritores do abaixo-assinado que se fez em 1998 contra a realização do festival. Naquele ano, relata, "até dentro de casa cheirava a cerveja e a urina", por causa de as casas de banho móveis não terem funcionado.

"O parque não é para ser uma reserva de vândalos, é para ser estimado", opina o deputado municipal, acrescentando ainda que, nos dias do festival, "na praia da Zambujeira não se consegue ver o areal, só gente a dormir". A zona onde o evento se realiza é paralela a uma das fronteiras do Parque Natural. Fica fora dele por escassos metros: de um lado da estrada está o Parque, do outro não.

A arquitecta-paisagista Ana Dias, que substitui o director do PNSACV na sua ausência, mostra-se decepcionada com o comportamento dos visitantes: "O problema do lixo não se estende só ao Parque Natural. As dunas das praias são invadidas por centenas de pessoas e carros. Numa faixa de 20 quilómetros é campismo selvagem por todo o lado. No fim, limpam mal a zona do concerto."

"Não podemos continuar a sofrer pressões"

A pressão exercida em toda a zona envolvente é, na opinião de Ana Dias, "um cilindro para a natureza". Os carros trituram a vegetação, que não se regenera num ano. Ana Dias reconhece que os meios do Parque são escassos e defende que, por essa razão, compete à Câmara de Odemira limpar a zona. "Aquilo é fora do Parque e por isso não podemos fazer nada do ponto de vista legal. Temos que dar um murro na mesa, porque não podemos continuara sofrer pressões de cima", declara. De quem? A arquitecta não diz.

"Eles [organização do Sudoeste] ficam de consciência limpa porque limpam a herdade que compraram", observa. A presença do símbolo do Parque nos bilhetes para o evento é, segundo a responsável, "abusiva" e "publicidade enganosa". Ana Dias refere que o Parque Natural está disposto a recorrer aos meios legais para resolver a questão. "Tentamos manter a segurança, sobretudo ao nível da vigilância e prevenção de fogos. Mas temos que fechar os olhos durante três dias", explica.

Sobre o impacte do festival no Parque Natural a presidente da associação ambientalista Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, Conceição Martins, é clara: "A maior parte do lixo que lá ficou não é altamente contaminável para o solo. No entanto, com os plásticos é outra história." Quando os animais se apercebem de que ingeriram algo nocivo pode já ser tarde demais.

"Não é aconselhável a realização do concerto tão próximo do Parque", defende. O lixo é inevitável, mas, na opinião da defensora do ambiente, tudo passa pelo civismo. A ambientalista refere como falha grave a falta de uma campanha de sensibilização destinada à triagem dos diferentes tipo de detritos. "Para o lixo ser devidamente separado, têm de existir caixotes próprios. Deviam coagir as pessoas a não deitarem tudo para o chão." Conceição Martins considera que tanto o Governo Civil como a Direcção-Geral de Espectáculos deviam impor à organização a obrigatoriedade não só de limpar a zona do recinto, como as imediações.

Faltam camas

A empresa promotora do evento, a Música no Coração, recorda que não tem de pedir autorização ao Parque Natural para fazer ali o festival. Não se eximindo da responsabilidade de "tudo ter que ficar como estava" depois de os concertos terminarem, Álvaro Covões, da produtora, defende que seria "mais fácil construir no local infra-estruturas permanentes do que montar e desmontar as estruturas de apoio ao festival". Até hoje não o fez porque "as receitas não chegam".f+b

"A organização do festival não pode ser culpada por lixo que está a dez quilómetros de distância. Também se pode concluir que é lixo do comércio e das populações locais", observa o empresário, que aponta o dedo à Câmara de Odemira, que "também tem as suas obrigações".

"Para o ano a área de campismo do recinto vai ser aumentada para que as pessoas não se aventurem dentro do Parque Natural", promete.

O presidente da Câmara de Odemira, António Camilo, diz que um dos problemas da Zambujeira do Mar em época de Festival do Sudoeste é a falta de camas disponíveis, o que leva muitos a "ficar por onde calha". À medida que o número de visitantes aumenta, o problema agrava-se. "É impossível alojar tanta gente. Por causa do Verão, Odeceixe e Vila Nova de Milfontes já estão cheias antes do festival. Desde 1978 que chumbamos o licenciamento de mais 120 mil camas no concelho, pois não queremos transformar isto no Algarve", explica.

Depois de uma reunião entre moradores da Zambujeira do Mar e a autarquia de Odemira - na sequência dos problemas de 1998 - e após terem sido feitos alguns acertos com a organização, a câmara aceitou receber novamente o festival. "Se o povo não quisesse não o aprovávamos", ressalva o autarca.

As receitas que ficam no concelho são uma grande ajuda para uma das mais pobres zonas do país. O presidente admite que os esforços dos organizadores para minimizar os impactos do concerto "ainda não são suficientes". Mas a festa não será a culpada de tudo.

"O festival tem as costas largas. Os comerciantes ainda se queixam? Porque é que não fecham as lojas durante os três dias? Acredito que o sossego e o divertimento são compatíveis", prossegue o autarca. Quanto aos detritos, "vai ficar tudo limpo, embora ainda demore algum tempo, porque os meios são escassos". As operações de limpeza estão a ser realizadas, à semelhança do que acontece há já alguns anos, por um grupo de reclusas do Estabelecimento Prisional de Odemira.

Parque Natural "é fundamentalista"

As relações entre Câmara de Odemira e o Parque Natural já foram melhores. "São fundamentalistas", acusa o presidente da autarquia. "Não deixam fazer nada que possa melhorar a qualidade de vida das populações. Não cativam as pessoas, proíbem tudo."

Ainda pouco convencido das vantagens que o Festival do Sudoeste traz à freguesia está o presidente da Junta de São Teotónio, José Manuel Guerreiro. O autarca conta que se assustou com o que viu em 1998, ano em que assumiu a presidência da Junta: "Não quis cá o festival. Foi mal organizado logo no primeiro ano e este tipo de propaganda não nos interessa. As pessoas já não querem vir para a Zambujeira, querem vir para o festival", começa por afirmar. A ausência de contrapartidas para as freguesias que suportam o impacte do evento é outra das suas queixas. "A empresa que organiza isto tem tido, apesar de tudo, a nossa colaboração. Já podiam, por exemplo, ter doado à freguesia algum dinheiro para ajudar a comprar uma ambulância."

Sobre a quantidade de lixo que fica nas imediações do recinto, sobretudo dentro do Parque Natural, José Manuel Guerreirof+b f-bé claro: "Não deve ser só a Câmara a limpar. Então e a organização? Não foram eles que trouxeram as pessoas que deixaram o lixo? Sujaram, limpam", conclui.

(Para mais detalhes sobre o assunto consultar http://ultimahora.publico.pt/documentos/textos/index-dossiers.html)