Por ANA FERNANDES, Público, 13 de Maio de 2000
Um buraco legal no Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina permite que a agricultura cresça divorciada dos valores da conservação da natureza. E a impossibilidade de intervir nos terrenos privados tem conduzido à constante violação da paisagem por milhares de veículos incontrolados.
É certo que a pressão imobiliária é o maior problema do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), mas outras importantes machadinhas pendem sobre esta área protegida. A agricultura intensiva e os acessos indisciplinados proliferam sem que haja capacidade efectiva para contrariar o avolumar das situações críticas, acusa a Liga para a Protecção da Natureza. Faz-se o que se pode com os meios humanos e legais disponíveis, defende-se o Parque. Que continuam escassos.
O triste exemplo da Odefruta, no Brejão, apesar de ter falhado por ter tido uma gestão incompetente, serviu para incentivar muitos agricultores a trilhar o mesmo caminho. Hoje, multiplicam-se as áreas de agricultura intensiva no PNSACV sem que tenha havido, até agora, uma séria tentativa de compatibilização entre este sector e a conservação da natureza.
Os problemas são vários: "A utilização intensiva de químicos está contaminar as linhas de água, de que as populações se abastecem, além de que têm sido cultivados terrenos perto do mar sem que se respeitam a zonas interessantes para a conservação da natureza", acusa Pedro Beja, da Liga para a Protecção da Natureza (LPN).
Os ambientalistas não defendem que se acabe com a agricultura dentro do Parque, antes pelo contrário pois uma importante parte da população do concelho de Odemira depende das explorações para sobreviver. "Mas podia-se tentar arranjar compromissos para tentar minimizar os impactos" desta actividade, acrescenta Pedro Beja.
"Nós tentámos", diz, por seu lado, Manuel Amaro, presidente da Associação de Beneficiários do perímetro de rega do Mira. "Na altura em que a empresa contratada pelo Parque, a Vão-Arquitectos, estava a fazer o Plano de Ordenamento [1991], nós pedimos aos nossos consultores que trabalhassem com eles para compatibilizar os nossos objectivos com os deles e esse esforço estava a ser feito", acrescentou. Porém, a Vão acabou por ser afastada e o Plano de Ordenamento foi feito pelos serviços do Instituto de Conservação da Natureza. "Nessa altura, todos os contactos connosco foram cortados", acusa este responsável.
No Plano de Ordenamento, em vigor desde 1995, as questões agrícolas são remetidas para um posterior plano específico, que até hoje não avançou. "Existe, de facto, esse buraco legal mas o Parque tem feito contactos com o IHERA [Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente] para regularmos, no âmbito desse plano, o uso de agroquímicos, as estufas, o tipo de produtos a plantar, o destino dos plásticos, etc", afirma João Nunes, director do PNSACV.
Mas cinco anos se passaram e, neste meio tempo, a área irrigada para horticultura aumentou bastante. Dos 12.000 hectares do perímetro de rega do Mira, nove mil estão dentro do Parque. Hoje, aproveitam-se 7700 hectares, quase o dobro do que há cinco ou seis anos.
"Mas há outros disparates que não têm só a ver com a agricultura intensiva: alguns empresários, quando perceberam o interesse crescente da agricultura biológica - que tem incentivos e os produtos são certificados -, decidiram mudar mas como o solo não pode ter resíduos químicos, o que os impedia de utilizarem os terrenos onde praticavam agricultura intensiva, compraram ou alugaram novas áreas e arrasaram tudo para poder plantar", conta Pedro Beja. Foi pior a emenda que o soneto e algumas áreas de bosque foram completamente derrubadas.
Enquanto se espera que o Ambiente e a Agricultura trabalhem em conjunto, um outro drama tem arrasado valores fundamentais do parque. Fora das estradas, as áreas naturais são invadidas por toda a espécie de veículos que abrem feridas atrás de feridas no terreno, destruindo plantas raras e aumentando a erosão dos solos.
"Quando se pisam as plantas, a camada de areia que sustentam vai embora e o solo acaba por erodir", explica Pedro Beja. "Impossibilitados de passar pelo mesmo local, os carros abrem outros ao lado e multiplicam a destruição". Em muitas zonas, a paisagem está crivada de linhas paralelas, nalguns casos de tal forma erodidas que apenas restam crateras. "Tem de se limitar os acessos", defende o ambientalista.
"Já fizemos intervenções em vários locais do Domínio Público Marítimo, como S. Torpes ou na Ilha do Pessegueiro, colocando pedras que impedem o acesso mas é complicado intervir nos terrenos privados pois os proprietários, por vezes, rejeitam essas intervenções", afirma João Nunes.
Mas a verdade é que a excessiva burocracia limita a acção do PNSACV. "Parecem a Câmara Municipal do Sudoeste, só tratam de questões urbanísticas", acusa Manuel Amaro. "Damos mais de mil pareceres por ano e estas solicitações constantes acabam por nos roubar capacidade de intervenção no território", admite o director do Parque.