O embarque faz-se em Setúbal.
O "ferry" demora cerca de vinte minutos a vencer a distância que separa Setúbal da península de Troia. Oportunidade para apreciar, na amurada, o estuário do Sado e a serra da Arrábida.

Com sorte, é possível avistar a colónia de golfinhos (Tursiops truncatus) que faz do Sado o seu lar, mau grado a poluição industrial e doméstica.

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O SIMPÁTICO ROEDOR DE REDES
 


O Tursiops truncatus, conhecido popularmente por Roaz-Corvineiro, faz parte da família dos golfinhos, onde se encontram ainda o golfinho comum (Delphinus delphis) ou toninha, e o boto.

Os biólogos Stefan Harzen e Barbara Brunnick, na monografia "O Roaz-Corvineiro do Sado, Portugal", comentam o facto de os pescadores do estuário, durante muitas gerações, não considerarem o Tursiops truncatus como um verdadeiro golfinho, reservando essa classificação exclusivamente para o Delphinus delphi. Esta errada interpretação permitia-lhes, do ponto de vista ético e legal, vender e comer os roazes corvineiros que ficavam presos nas redes.

Hoje é uma espécie protegida, mas as mortes por redes à deriva (ou mesmo pesca intencional) continuam. De acordo com os referidos autores, o nome "roaz" advém-lhe do facto de, precisamente, roer as redes de pesca.

O roaz-corvineiro tem geralmente um corpo longo e robusto, com um pequeno nariz pronunciado e em forma de melão. A barbatana dorsal é triangular e com cerca de 35 cm de altura. Os lobos da cauda são proporcionais e podem medir entre 65 e 80 cm de ponta a ponta.

A cor predominante é de um cinzento chumbo, com sombras esbatidas nas partes laterais e barriga branca ou, por vezes, cor-de-rosa. Têm cerca de 40 a 48 dentes cónicos afiados, podem pesar 350 quilos e atingir quatro metros de comprimento. Pensa-se que a sua longevidade pode atingir os 50 ou mais anos.

Como todos os mamíferos, os roazes-corvineiros têm sangue quente, respiram fora de água, alimentam os recém-nascido com leite materno. As crias nascem com cabelo - alguns pêlos no nariz na cabeça. Estes pêlos desaparecem pouco tempo depois do nascimento, pois diminuem a velocidade e a eficiência na água.

Os roazes-corvineiros do estuário do Sado alimentam-se de uma grande variedade de peixes, sendo a tainha uma das sua presas predilectas. Mas é a caça ao choco que mais entusiasma estes mamíferos. Os golfinhos em estado selvagem necessitam de cerca de 30 quilogramas de alimento por dia, dependendo das condições ambientais e do desenvolvimento individual.

De acordo com as observações dos biólogos, os golfinhos do estuário do Sado passam mais de 50% do seu tempo a alimentar-se, verificando-se picos de actividade entre as 12 e as 13 horas, sensivelmente, Harzen e Brunnick referem que os Truncatus tursiops "conseguem sentir as mais subtis mudanças do gosto da água e este sentido do paladar tão apurado substitui o do cheiro. Possuem uma excelente visão acima e debaixo de água e utilizam a sua ecolocalização (que inclui uma excelente audição) para detectar objectos, como peixes, e para recolher uma série de informações sobre o ambiente que os rodeia".

 




 
BRINCALHÕES E SOLIDÁRIOS
 


Os golfinhos vivem em comunidade
. "No Sado, raramente se encontram animais sozinhos", referem Harzen e Brunnick. Geralmente nadam em grupos de 6 a 10 mas poderão, ocasionalmente, congregar grupos maiores.

"As pesquisas efectuadas entre 1986 e 1993 revelaram a existência de 'pods' (grupos de golfinhos) distintos na área, um dos quais é um grupo de grande importância que viajou pouco mas passou muito tempo neste local sendo já considerado residente.

Outros animais frequentam o estuário do Sado ocasionalmente e há um terceiro grupo, mas que tem sido observado tão raramente, que é considerado apenas visitante. De entre os dois primeiros grupos, mais de metade dos seus membros são fêmeas, o que sugere que o estuário do Sado é uma zona indicada para criação" (in "O Roaz-Corvineiro do Sado, Portugal").

A propósito das relações sociais dos golfinhos, é consensual entre os especialistas a existência de laços fortes entre os indivíduos de um mesmo grupo. "Julga-se que as fêmeas passam grande parte das suas vidas ligadas às mães, irmãs e tias. Os machos criam geralmente laços fortes com um ou dois outros animais do seu sexo. Estas ligações podem durar muitos anos, se não toda a vida. As mães passam muitos anos com os seus filhos enquanto os jovens crescem e aprendem as responsabilidades sociais.

Por vezes, os golfinhos adolescentes ou quase adultos tomam conta dos mais novos, enquanto as mães desenvolvem outras actividades" (idem). Harzen e Brunnick contam que, "por várias vezes pudemos observar uma presumível mãe a empurrar uma cria morta pela água, durante muitas horas, tentando sempre colocar o corpo da cria numa posição vertical. As tentativas dos outros golfinhos adultos de intervir e separá-los para a trazer de volta ao grupo não resultaram. Com o tempo, os esforços da presumível fêmea para tentar que a sua cria respirasse e nadasse, foram tornando-se frenéticos até que acabou por, relutantemente, abandonar a cria".

"Para os animais sociais, brincar é uma parte importante no processo de aprendizagem. Comportamentos como o arremesso de peixe, saltos em forma de arco e o afastar de algas, são geralmente considerados brincadeiras e podem contribuir para o desenvolvimento de laços sociais e de técnicas de procura de alimento. Tanto os adultos como os mais novos, participam neste tipo de brincadeiras e em outras situações educativas".

 



 
UMA COLÓNIA AMEAÇADA
 


Os golfinhos do Sado têm na poluição o seu principal inimigo. Indústrias altamente poluentes - reparação naval, celulose, tratamento de minerais, metalurgia, montagem de automóveis, etc - fazem as suas descargas de efluentes directamente para o rio, saturando-o de metais pesados e de outros tóxicos.

A central eléctrica utiliza água do estuário no seu sistema de refrigeração, despejando aí a água quente proveniente desta operação, com o consequente desequilíbrio térmico no estuário, afectando plantas e animais.

A cidade de Setúbal (104 mil habitantes) despeja os seus esgotos para o rio, sem tratamento. A agricultura intensiva arrasta para o estuário do Sado enormes quantidades de organofosfatos, nitratos e superfosfatos. "Sabe-se que outros produtos químicos, como por exemplo hidrocarbonetos clorados e bifenil policlorados atravessa a cadeia alimentar e acumulam-se nos tecidos de alguns animais", acrescentam os biólogos. A concentração de resíduos intervém no ciclo biológico dos golfinhos.

As fêmeas descontaminam-se fazendo passar, involuntariamente, através da aleitação, até 80% destes resíduos tóxicos às suas crias que irão, assim, iniciar as suas vidas com uma grande carga de poluentes nos seus tecidos. Os machos acumulam níveis altíssimos de resíduos nos seus sistemas, durante toda a vida. Estes químicos diminuem o sucesso reprodutivo dos grupos e comprometem o futuro da espécie.

Desde 1993 que são observadas manchas na pele da maioria dos golfinhos que residem há muito tempo no Sado e que são sinais de possíveis perturbações cutâneas, provocadas pelos poluentes.

Será que os roazes-corvineiros do Sado vão ter o mesmo destino dos golfinhos do Tejo?

Essa dúvida, a que só as intervenções humanas no estuário do Sado poderão responder, ainda nos acompanha quando desembarcamos em Troia.

Links sobre golfinhos:

Créditos: Stefan Harzen e Barbara Brunnick, biólogos, "O Roaz-Corvineiro do Sado", Portugal