Aves
planadoras, como o nome indica, são aves que utilizam essencialmente
o voo planado para se deslocar. Sob esta designação incluem-se normalmente
os grous, as cegonhas e as aves de rapina diurnas (Elkins 1998). As
aves planadoras aproveitam as correntes térmicas ascendentes que se
formam quando o ar frio da atmosfera aquece em contacto com a superfície
terrestre exposta ao sol, tornando-se mais leve e subindo (Alerstam
1993, Elkins 1998, Kerlinger 1989). Este modo de deslocação permite
às aves percorrerem grandes distâncias com um dispêndio mínimo de
energia mas implica que os movimentos migratórios tenham de ser efectuados
durante o dia (Newton 1979).
Sobre
as grandes massas líquidas a intensidade das correntes térmicas é
bastante menor, daí que estas aves evitem fazer grandes deslocações
sobre as águas quando têm de atravessar o oceano nas suas deslocações
(Alerstam 1993, Newton 1979).
A
dependência das correntes térmicas varia de espécie para espécie e
está relacionada com a superfície alar. Assim, aves com uma grande
superfície de asa, caso dos abutres e das cegonhas, utilizam muito
mais o voo planado do que espécies com uma reduzida superfície alar,
caso dos gaviões e tartaranhões, que utilizam bastante o voo batido
(Elkins 1988, Newton 1979).
Na
Europa, as aves das regiões setentrionais são em grande parte migradoras
invernando na Europa Ocidental e Central, na bacia mediterrânica ou
a sul do Sara. Algumas espécies com distribuição meridional são também
migradoras e invernam em África a sul do Sara. Nestes movimentos norte/sul,
as aves que invernam em África têm de atravessar a barreira natural
constituída pelo Mediterrâneo.
Para
as espécies que não dependem das correntes térmicas a migração é,
de forma geral, efectuada segundo uma frente ampla e a travessia pode
ser feita praticamente a partir de qualquer ponto. São os casos, por
exemplo, da Águia-pesqueira Pandion haliaetus ou dos Trataranhões
Circus sp.. Para outras espécies, as poucas dezenas de quilómetros
que separam a Europa de África podem constituir uma barreira quase
intransponível. Assim, estas espécies tendem a concentrar-se em locais
estratégicos onde a distância entre os dois continentes é menor.
O
Estreito de Gibraltar, na Península Ibérica, e o Estreito do Bósforo,
na Turquia, são os dois locais mais importantes de passagem pós-nupcial
de migradores transaarianos. Outras rotas secundárias têm sido identificadas,
nomeadamente o chamado corredor Mediterrâneo Central, importante na
Primavera.
O
interesse natural de Sagres começou a ser reconhecido em finais da
décda de 50 (Tavares & Sacarrão 1960), datando da altura os primeiros
estudos efectuados sobre a migração de aves na zona (Moreau & Monk
1957, Owen 1958, Wallraff & Kiepenheuer 1963).
A
área de estudo de Sagres situa-se no extremo Sudoeste de Portugal,
estendendo-se por toda a orla costeira e Planalto Vicentino, entre
Vila do Bispo, Cabo de S. Vicente e Sagres.
Extremamente
árida, a paisagem na região é caracterizada por pousios, matos (especialmente
ao longo das linhas de água e nos vales mais abrigados) e por alguns
povoamentos de pinhal. O planalto é interrompido por abruptas falésias
que caem sobre o mar.
O
clima é mesotérmico húmido com pequenas amplitudes térmicas e fraca
precipitação anual. Na Costa Ocidental o vento faz-se sentir predominantemente
de Norte e Noroeste, enquanto a costa Sul se encontra normalmente
sujeita a um regime de brisa (Faria et al. 1981).
Na
década de 80, vários autores chamaram a atenção para a importância
da zona como local de passagem para diversas espécies de aves de rapina
(Palma 1986, Abreu 1989). No entanto, só em 1990 se viria a realizar
a monitorização organizada da migração das aves planadoras na região.
Essa primeira campanha, organizada pelo ICN com a colaboração da Câmara
Municipal de Vila do Bispo, constituiu um inegável sucesso e veio
demonstrar inequivocamente a importância da região como local de passagem
para aves planadoras (Palma, Beja 1994).
Desde
então foram realizadas mais quatro campanhas - 1992, 1994, 1995 e
1996. Destas, as três últimas forma coordenadas pela Sociedade Portuguesa
para o estudo das Aves/SPEA com o apoio do Parque Natural do Sudoeste
Alentejano e Costa Vicentina.
De
uma forma geral, as campanhas tiveram início em princípios de Setembro
e terminaram em meados de Outubro. O registo das aves e dos seus movimentos
foi feito a partir de vários postos de observação implementados no
terreno, coordenados por um posto de monitorização principal instalado
no marco geodésico da Cabranosa. O esforço de observação sofreu oscilações
consideráveis no decurso das várias campanhas, no entanto manteve-se
sempre um esforço de observação mínimo correspondente ao funcionamento
do posto de coordenação. No total foram observadas 27 espécies de
aves de rapina diurnas e as duas espécies de cegonhas. O número de
aves observadas variou entre 2032 em 1990 e 1037 em 1996 (Costa et
al, 1998). As espécies mais abundantes foram a Águia-calçada Hieraaetus
pennatus, o Gavião Accipiter nisus , a águia-cobreira Circaetus
gallicus e o Milhafre-preto Milvusmigrans.
De
forma a obter dados mais precisos sobre a idade das aves e os seus
padrões de deslocação na zona foram ensaiados alguns esquemas de captura
e marcação que tiveram lugar no decurso das campanhas de 1992, 1995
e 1996. No total, foram capturadas 166 aves de 13 espécies diferentes.
Com
base na informação actualmente disponível, pode-se afirmar que o corredor
migratório existente na região tem uma importância secundária no esquema
de rotas migratórias das aves planadoras existentes no Paleártico
Ocidental. Este corredor possui no entanto alguma importância a nível
regional, pelo que seria desejável a continuação dos estudos na região,
nomeadamente para aprofundar aspectos que ainda não estão esclarecidos
ou acerca dos quais não há ainda informação suficiente (por exemplo,
origem das aves, padrões de circulação e tempos de permanência na
zona, influência das condições meteorológicas, padrões etários, etc.).