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Apanha manual... só à mão?

Do blogue Ambio (http://ambio.blogspot.com/2006/12/pesca-leis-ldicas.html), extraímos este artigo de opinião de J. Castro, biólogo da Universidade de Évora, que consideramos uma boa reflexão sobre as contradições da recente regulamentação da pesca lúdica e da apanha manual.

Pesca: Leis Lúdicas

Por João J. Castro*

"Apresenta-se uma crítica à recente legislação nacional aplicada à pesca lúdica e análise de medidas de conservação do litoral e de gestão sustentável da pesca, com particular referência à costa sudoeste de Portugal continental".

Na legislação portuguesa é distinguida a pesca comercial, efectuada com fins comerciais, da pesca lúdica, praticada como uma actividade de lazer ou desportiva. Por outro lado, a apanha é considerada uma actividade pesqueira que pode ser exercida com fins comerciais ou lúdicos.

Até há poucos anos, tanto a pesca lúdica, como a apanha, exercidas em ambientes marinhos, eram pouco regulamentadas, apesar de serem actividades praticadas com elevada frequência e intensidade na costa portuguesa. Nos últimos anos têm sido publicados vários decretos e portarias com o objectivo de regulamentar tais actividades, mas nem sempre o têm feito da melhor maneira, continuando a faltar legislação actualizada sobre algumas actividades (por exemplo, a pesca submarina) e que garanta uma exploração sustentável ao nível do ecossistema.

Apanha manual

Actualmente, a pesca lúdica de espécies marinhas está sujeita a legislação específica (referências em baixo) e o seu exercício requer licenciamento a partir de 1 de Janeiro de 2007. Este licenciamento não é exigido no caso da apanha lúdica, que “só pode ser exercida manualmente”.

No entanto, o “Regulamento da Apanha” em vigor (referência em baixo), aparentemente dirigido à apanha com fins comerciais, define a apanha como “qualquer método de pesca que se caracteriza por ser uma actividade individual em que, de um modo geral, não são utilizados utensílios especialmente fabricados para esse fim, mas apenas as mãos e os pés, ou eventualmente um animal, sem provocar ferimentos graves nas capturas”. Esta definição está mais de acordo com o trabalho de Fernando. R. Rebordão (referência em baixo), que afirma dever ser considerada manual a apanha com faca de mariscar, arrolhada, ou qualquer faca, arame ou prego, desde que estes utensílios não firam gravemente os exemplares capturados e sejam empregues como um prolongamento da mão na sua acção de pesca. Se ocorrerem ferimentos profundos, causados por um instrumento perfurante (por exemplo, fisga, arpão, arrolhada, bicheiro), este autor considera que a mesma actividade não deverá ser classificada como manual.

Com efeito, aquele “Regulamento da Apanha” permite a utilização de vários utensílios ou instrumentos, como a adriça, o ancinho, a arrilhada (o mesmo que arrolhada), a faca de destroncar ou de mariscar, a lapeira, o sacho de cabo curto, o gancho e o xalavar. Mesmo assim, este regulamento não permite a utilização do bicheiro, frequentemente usado na costa portuguesa para a apanha do polvo por mariscadores em litorais rochosos, não sendo o polvo (ou polvo-vulgar, da espécie Octopus vulgaris) considerado, pelo mesmo documento, como uma espécie que pode ser objecto de apanha.

Embora a portaria que regulamenta o exercício da pesca lúdica (Portaria n.º 868/2006, de 29 de Agosto) não refira as espécies que podem ser objecto deste tipo de pesca, estipula limites de peso à captura diária de peixes, cefalópodes, crustáceos e outros organismos, sendo nela referido um peso máximo de percebes. Atendendo também a que, para ser realizada com o mínimo de eficiência e segurança, a apanha de percebe deve ser feita com utensílios especialmente fabricados para esse fim, como as vulgarmente utilizadas arrolhadas, é um contra-senso esta portaria considerar que a apanha lúdica só pode ser exercida manualmente.
Por outro lado, atendendo à frequente e tradicional utilização, na costa portuguesa, de arrolhadas, facas, lapeiras ou utensílios semelhantes, e também de ganchos ou bicheiros, na apanha (manual, sem provocar ferimentos graves) de muitas espécies de marisco, como as lapas, o mexilhão, as amêijoas, o berbigão, ou o ouriço-do-mar, e considerando a referida opinião de F. R. Rebordão, esta portaria não está adequada à realidade portuguesa e é seguramente muito difícil zelar pelo seu cumprimento. O mesmo se poderá dizer em relação à apanha de polvo e navalheira em litorais rochosos, cuja realização com fins lúdicos é também muito frequente em Portugal, e cuja eficiência sem a utilização de um bicheiro e/ou um xalavar é muito reduzida.

Meio quilo de percebe

Segundo a portaria que regulamenta o exercício da pesca lúdica (referência em baixo), o peso máximo total de capturas diárias por praticante de pesca lúdica (incluindo apanha) é de 10kg de peixes e cefalópodes e 2kg de crustáceos e outros organismos diferentes de peixes e cefalópodes, não sendo contabilizado para o efeito o peso do exemplar maior, com excepção do percebe, cujo peso máximo é 0,5kg.

De acordo com estudos recentemente efectuados pelo CIEMAR no litoral rochoso alentejano (Castro, 2004), o peso fresco de pescado capturado por pescador numa baixa-mar de marés vivas foi, em média, cerca de 2,2kg, e, por pescador à linha em trinta minutos de enchente, correspondeu a cerca de 0,2kg. Estes valores observados indicam que aqueles limites legais estão razoavelmente adaptados às quantidades normalmente capturadas neste tipo de pesca praticado a partir de terra. No entanto, atendendo a informações prévias obtidas junto de pescadores locais, é possível que, na pesca à linha efectuada a partir de embarcações, o rendimento seja maior. Por outro lado, o peso fresco de percebe capturado por pescador numa baixa-mar de marés vivas foi, de acordo com os mesmos estudos, cerca de 7,4kg, em média, com base em entrevistas efectuadas directamente a 27 apanhadores de percebe.
Noutro trabalho recente, Dora Jesus (referência em baixo) entrevistou 16 pescadores “amadores” de percebe em meses de Verão e em quatro praias da costa sudoeste de Portugal continental, situadas entre os Cabos Sardão e de São Vicente. Nestas entrevistas, os pescadores foram questionados acerca da sua satisfação em relação ao rendimento da apanha de percebe que poderia ser obtido num período de maré baixa. Segundo esta autora, a maioria dos pescadores amadores inquiridos considerou que uma captura de percebe com menos de 2kg é má, entre 2 e 5kg é boa, e com mais de 5kg é excelente. No mesmo trabalho, foram registados montantes médios diários de captura de percebe entre 13,7 e 23,6kg por pescador (amador e “profissional”), com base nas capturas efectuadas por 24 pessoas, em meses de Verão e quatro praias da costa sudoeste de Portugal continental.

Assim, estes valores observados indicam que o referido limite legal de 0,5kg para a apanha lúdica de percebe não está adaptado às quantidades normalmente capturadas neste tipo de pesca e é seguramente muito difícil zelar pelo cumprimento da referida portaria.
Tendo em atenção apenas o litoral alentejano, e de acordo com estudos recentemente efectuados pelo CIEMAR (Castro, 2004), as referidas dificuldades de cumprimento da legislação em vigor são agravadas pelo facto de a pesca lúdica ser praticada, nesta região, com uma elevada intensidade, e de forma regular e espacialmente generalizada. De acordo com vários trabalhos científicos (por exemplo: Underwood, 1993, Dye e outros, 1994, Cockroft e outros, 2002), a implementação de limites de peso das capturas tem geralmente uma eficácia relativamente reduzida em pescas deste tipo, face ao elevado esforço de fiscalização que o zelo do seu cumprimento implica, e em comparação com outras medidas mais eficazes e menos difíceis de controlar, como as restrições espaciais temporárias ou definitivas (reservas marinhas ou santuários). Esta questão é particularmente importante numa costa tão extensa e difícil de fiscalizar como a do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, atendendo a que a actividade pesqueira em causa é praticada ao longo da costa deste parque e pode ser muito intensa nalguns locais.

Conservação e gestão marinha

De acordo com estudos recentemente efectuados pelo CIEMAR (Castro, 2004), a exploração humana do litoral rochoso alentejano é praticada com uma elevada intensidade, de forma regular e espacialmente generalizada, e tem uma elevada importância ecológica, social e económica. Sendo principalmente efectuada com fins lúdicos, potencia o turismo e actividades comerciais a ele associadas, mas também é uma actividade tradicional que pode ter alguma importância para a subsistência alimentar das populações locais.

Apesar da sua importância, não existe regulamentação específica que condicione as respectivas actividades a uma gestão sustentável. Mesmo quando esta regulamentação existe (referências em baixo), o esforço de controlo e fiscalização é geralmente insuficiente ou ineficaz. Com esta quase ausência de controlo e gestão, estes recursos têm vindo a ser explorados duma forma intensa e desordenada, sendo aparente o decréscimo dos quantitativos capturados e o aumento do esforço de exploração.

Acresce-se a este panorama o deficiente ou pontual conhecimento científico da biologia e ecologia das populações exploradas e dos sistemas envolvidos, bem como dos impactes destas actividades. Porém, é sabido que, devido às suas características biológicas e a interacções intra- e interespecíficas, muitas das espécies colectadas são bastante vulneráveis à exploração humana, os seus stocks podem ser facilmente sobreexplorados e a sua exploração pode ter efeitos directos e indirectos ao nível do ecossistema a que pertencem.

Deste modo, é urgente a aplicação de medidas de gestão e conservação que garantam a utilização sustentável destes recursos e habitats, integrando-os ao nível do ecossistema a que pertencem, tais como a aplicação e revisão da legislação existente, e a criação de áreas marinhas protegidas, com base em estudos sobre as populações exploradas e os impactes destas actividades. A recuperação de populações exploradas em reservas marinhas e em áreas adjacentes é um dos vários benefícios que esta protecção pode originar, em conjunto com os relacionados com a conservação, a educação, a ciência, o turismo e a recreação.

Em estudos recentemente efectuados pelo CIEMAR, foram directamente entrevistados 266 pescadores em actividade no litoral rochoso alentejano acerca da exploração e da conservação dos seus recursos vivos. Apesar de a maioria dos pescadores entrevistados ter reconhecido que o rendimento deste tipo de pesca tem vindo a diminuir nos últimos anos, a maior parte não reconheceu que a pesca que pratica pode ter um impacte ecológico importante. Porém, também a maioria reconheceu que são necessárias medidas de conservação dos recursos e de gestão da pesca que pratica. Esta opinião maioritária é uma oportunidade para melhorar o estado destes recursos e para a realização de acções que sensibilizem as populações locais para a necessidade de conservação do meio marinho, bem como para o seu envolvimento no processo de gestão.
Sendo grande parte do litoral rochoso alentejano pertencente à faixa marinha do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, esta protecção legal é também uma oportunidade para a implementação destas medidas de gestão e conservação, num processo que deverá ser adaptativo e integrado, permitindo a co-responsabilização dos utilizadores e gestores, bem como o envolvimento das populações locais.

Legislação e trabalhos citados

- Pesca lúdica (incluindo a apanha lúdica)
Decreto-Lei n.º 246/2000, de 29 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 112/2005, de 8 de Julho
Portaria n.º 868/2006, de 29 de Agosto
- “Regulamento da apanha”
Portaria n.º 1102-B/2000, de 22 de Novembro, alterada pela Portaria n.º 144/2006, de 20 de Fevereiro, e publicada ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 7/2000, de 30 de Maio
- “Regulamento da apanha comercial do perceve (Pollicipes pollicipes) no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina”
Portaria n.º 385/2006, de 19 de Abril
- J. J. Castro, 2004. Predação humana no litoral rochoso alentejano: caracterização, impacte ecológico e conservação. Tese de doutoramento, Universidade de Évora, 348pp.
- A. C. Cockroft, W. H. H. Sauer, G. M. Branch, B. M. Clark, A. H. Dye e E. Russell, 2002. Assessment of resource availability and suitability for subsistence fishers in South Africa, with a review of resource management procedures. South African Journal of Marine Science, 24: 489-501.
- A. H. Dye, G. M. Branch, J. C. Castilla e B. A. Bennett, 1994. Biological options for the management of the exploitation of intertidal and subtidal resources. Pp. 131-154 in WR Siegfried (ed.) Rocky shores. Exploitation in Chile and South Africa. Springer-Verlag.
- D. Jesus, 2003. Gestão do percebe (Pollicipes pollicipes (Gmelin, 1790)) no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Tese de mestrado, Universidade do Algarve, 121pp.
- F. R. Rebordão, 2000. Classificação de artes e métodos de pesca. Instituto de Investigação das Pescas e do Mar, Publicações Avulsas do IPIMAR, n.º 4, 44pp.
- A. J. Underwood, 1993. Exploitation of species on the rocky coast of New South Wales (Australia) and options for its management. Ocean & Coastal Management, 20: 41-62.


* Biólogo, Laboratório de Ciências do Mar (CIEMAR), Pólo de Sines da Universidade de Évora

08-03-2007
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