Ouriços-do-mar, nossos primos
Não há animal mais conhecido dos mariscadores da costa vicentina que o ouriço-do-mar. Por vezes, é mesmo uma autêntica praga, ocupando os espaços das poças de maré, predador eficaz. Gostoso, para os de paladar refinado, por alturas do início da Primavera. Agora, sabe-se que os seres humanos e ouriços-do-mar têm em comum 7077 genes. Um texto interessante, da autoria de Clara Barata, jornalista do Público.
"Gary Wessel, da Universidade de Brown (EUA), passou os últimos 31 anos a observar os ouriços-do-mar. Mas, depois de se envolver no projecto de sequenciação do genoma destes animais, fez uma descoberta inesperada: "Passei este tempo todo a olhar para eles - mas agora sei que eles também estavam a olhar para mim." A surpresa revelada pela análise das instruções genéticas para fazer estes animais marinhos é que eles têm um sistema visual bastante mais robusto do que se esperava, explicou Wessel, citado num comunicado da sua universidade, que anuncia os vários artigos hoje publicados na revista Nature sobre o genoma do ouriço-do-mar. Mas o que é que um ouriço-do-mar-tem a ver com um ser humano que o torne valioso o suficiente para investir tempo e dinheiro na sequenciação dos seus genes? Para os cientistas, o ouriço-do-mar é um importante organismo modelo, uma espécie de cobaia preferida, como os ratinhos ou a mosca-do-vinagre, em que podem fazer experiências impossíveis nos seres humanos, mas que nos revelam muito sobre nós próprios. Isto porque todos os seres vivos descendem de um único, provavelmente uma espécie de bactéria, que viveu há muitos milhões de anos. Por isso, todas as criaturas têm a mesma base genética. Isto permite, por exemplo, aproveitar o facto de os embriões deste animal espinhoso serem transparentes para estudar o processo de desenvolvimento de um novo ser vivo. O número de genes do ouriço-do-mar não anda distante do dos humanos: têm 23 mil, enquanto nós temos cerca de 25 mil (ainda não se sabe bem). Só que enquanto o genoma humano precisa de um livro com o equivalente a três mil milhões de pares de letras, o ouriço contenta-se com 814 milhões de pares de letras (pares porque a molécula de ADN é formada por duas cadeias, uma herdada do pai e outra da mãe). A verborreia genética dos humanos ou a contenção dos ouriços-do-mar (qual das afirmações será mais correcta é ainda um mistério) não impedem que partilhemos muitos genes: 7077. Alguns com grande importância na saúde, como o que origina a doença de Huntington. Uma das equipas que se dedicaram ao estudo do genoma do ouriço-do-mar, liderada por Sorin Istrail (também da Universidade de Brown), fez um mapa de todos os genes activados durante a formação do embrião. Este mapa, a que se chama transcriptoma, permitiu determinar que cerca de metade dos genes do ouriço são activados durante o desenvolvimento embrionário. "Esta informação representa o primeiro passo na compreensão de como os genes cooperam, quando se tem saúde ou quando se está doente", disse Istrail. A sua equipa publica este trabalho amanhã na revista Science. Outro ponto de interesse do ouriço-do-mar é o seu sistema imunitário, que é o mais sofisticado de todos os outros organismos modelo cujo genoma foi sequenciado, como o do ratinho. Os cientistas detectaram muitos genes no ouriço-do-mar relacionados com a imunidade natural, que é a primeira linha de defesa contra as infecções. Mas encontraram também elementos dos genes envolvidos no sistema imunitário adaptativo, que permite aos humanos e outros seres vivos produzir anticorpos específicos. Só que ainda não estão a funcionar. "Esta pode ser a melhor pista que temos para compreender como os genes trabalham em conjunto para nos manterem saudáveis", comentou Gary Litman, da Universidade da Florida do Sul, outro dos cientistas que participaram no projecto." in Público, 10-11-06
10-11-2006
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